04/05/2021 às 17h11min - Atualizada em 04/05/2021 às 17h11min

CRÔNICA: "Ivo do Blindagem: ofício roquenrol", por Renato van Wilpe Bach

Ícone do rock paranaense, Ivo era simples como a música que deixou, que tem cheiro de mato, sotaque, gosto de mate (ou chope) e viola caipira

Por Renato van Wilpe Bach
Foto: Divulgação
"Meu ofício é o rock’n’roll", ao contrário do que muitos pensam, não é uma música da banda Blindagem, mas, sim, um clássico de outra banda seminal do Roque Paranaense (com maiúsculas, por que não?): A Chave, a primeira de Ivo Rodrigues (1949-2010), o mesmo Ivo “do Blindagem”, nosso maior cantor popular.
 



Nem mesmo a versão mais conhecida da música, mais recente, com o próprio Ivo nos vocais, é assinada pelo Blindagem; é um registro do mestre ao lado de outra lenda da cena local, os blueseiros do Bartenders. Se, no original, o canto do menino Ivo se apresentava correto, seguro, mas ainda algo imaturo, na versão tardia o crooner esbanja carisma, domínio técnico e emoção. 



A pequena pérola dura pouco mais de três minutos, como manda a regra punk do pop hit. Nela, Ivo canta a palavra “roquenrol” de 14 formas diferentes (!); cada uma, um clichê, mas executado com personalidade e brilhantismo. A dicção perfeita, acompanhada de pequenas variações na pronúncia das palavras, nas repetições de trechos melódicos, escancara toda a riqueza de seu repertório vocal. 

A letra simples e direta, pueril até, só pôde ser cantada em sua forma original nesta versão temporã, em que Ivo troca o verso que termina em “fim da picada” por sua versão adulta, enfim livre da censura presente na época da gravação d’A Chave. O riff de guitarra, a bateria seca e o final abrupto fecham o pacote de um clássico quase desconhecido (por que não?) da MPB. 

Ivo Rodrigues e a banda Blindagem, pelo contrário, são conhecidíssimos parceiros de Paulo Leminski, foram gravados por Caetano Veloso, acompanhados pelas orquestras sinfônicas de Curitiba, Ponta Grossa e outras cidades, músicos residentes do Hermes Bar por mais de uma década (onde angariaram gerações de novos fãs), e jamais deixaram de fazer música boa, bem feita, a cara de um Paraná melhor, que quase já não existe. 

Um Paraná onde a banda ia na frente, para um show em Ponta Grossa, mas Ivo e Leminski levavam dois dias, parando nas cachoeiras, gelando o vinho debaixo delas, perdidos e achados. 

Uma banda em que um mestre como Ivo, depois de décadas de carreira, e já doente, bate um longo papo com um cara qualquer como eu, na salinha onde vendia e autografava os seus discos, um cantinho ao lado do bar, relembrando shows da década de 90 a que assisti ainda garoto. Gentilíssimo, um querido. 


Um cara simples como a música que deixou, que tem cheiro de mato, sotaque, gosto de mate (ou chope) e viola caipira. Um gênio brasileiro do canto e da composição que escolheu um ritmo estrangeiro, no qual se tornou um ás, para falar da vida das gentes daqui. Por falar de si, tornou-se universal. 

Nada mais apropriado para quem afirmou, em outra canção (em parceria com Leminski), unanimemente considerada pelos fãs como a mais bonita, ter as “penas tremendo”, a pedir “me leve daqui”, como “gaivota por sobre o mar”.




RENATO VAN WILPE BACH é médico, professor e escritor residente em Ponta Grossa
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