10/05/2021 às 07h44min - Atualizada em 10/05/2021 às 07h44min

CRÔNICA: Eu sempre quis ser mãe, por Luiz Fernando Cheres

Ser pai é bom, ser avô é bom demais, muito bom; mas, ainda assim, isso tudo parece apenas um apêndice se comparado à grandeza da mãe...

Por Luiz Fernando Cheres
Foto: Unsplash
— Vai ser o que quando crescer, piá?

— Mãe. Vou ser mãe.
 
E os adultos gargalhavam alto, tossiam, engasgavam, limpavam os pulmões. Choravam de tanto rir. Menos a D. Antônia, ela apenas sorria.
 
Só mesmo a meiguice da D. Antônia poderia farejar o tributo de amor e de reconhecimento filial naquelas palavras brotando da boca do menino ainda em fraldas. E os olhos da D. Antônia decerto ficavam como a grama coberta pelo sereno da manhã. Então — eu imagino — ela disfarçava, mudava de assunto, pedia ajuda nas panelas, perguntava de algum familiar distante.
 
Dizem que mamei até bem tarde, uns quatro anos. Lembro perfeitamente, eu queria que um dia um bebê assim como eu, um bebezinho, mamasse em mim. Queria também ser a Timba, a cadelinha, eu sempre via a Timba lambendo com amor todos os filhotes que paria. Porém a infância tão breve se foi, e aí vieram os filhos, os meus filhos, e eu não os pari. Posso garantir, não foram meus os seios que racharam e sangraram dolorosamente. Em compensação, lambi com paixão todos os meus filhos. Todos eles.
 
Antes de ter filhos, antes de casar, namorei muito, muito mesmo. Nunca esqueço do pai de uma namoradinha, o velho queria me pressionar:
 
— Você pensa em constituir família? Ter filhos?
 
— Sim, é claro, eu quero ser mãe.
 
***
 
Pois é, por anos namorei várias mulheres, amei algumas, fiz amor com outras tantas. Sempre querendo engravidar. Engravidar, jamais engravidá-las. Engravidar.
 
E esse sonho impossível, esse querer ser mãe, ele me fez ter gosto para fazer mamadeiras e papinhas, me fez sentir prazer em limpar bundinhas sujas de filhos e netos, trocar fraldas, passar pomadas. Com filhos e netos brinquei de carrinho, futebol, dominó e até boxe. Nunca tive desajeito para bonecas, amarelinha ou arrumar lindas casinhas, nem reclamei das noites passadas em claro, entre termômetros, remédios e intermináveis cantigas de ninar… Meu talento para mãe.
 
Porque ser pai é bom, ser avô é bom demais, muito bom; mas, ainda assim, isso tudo parece apenas um apêndice se comparado à grandeza da mãe. Hoje, olho a minha filha grávida e me pego apalpando a própria barriga. É como se essa netinha tão amada estivesse dentro de mim, no meu útero materno. E de alguma forma, de alguma forma imaterial, talvez esteja mesmo.
 
Vejam: também sinto os chutinhos que ela me dá na barriga. Perceberam como minha barrigona cresceu? ... E as estrias aqui perto do umbigo? Me deixam louco, procuro por cremes, faço massagens. Acho que já consigo sentir, antecipadamente, as dores do parto.
 
Não, não vou fazer cesariana.
 
LUIZ FERNANDO CHERES é escritor, autor de “Um Beijo Longe dos Lábios” e “Amar não é Preciso”. Ocupa a Cadeira nº 11 da Academia de Letras dos Campos Gerais

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