03/08/2021 às 16h12min - Atualizada em 03/08/2021 às 16h12min

CRÔNICA: Hoje a gente se encontra na torre para tomar vacina, por Kleber Bordinhão

Tão ansioso quanto nas noites da festa do chope escuro, dirigi até o Centro de Eventos em plena manhã de quarta-feira, só que agora para garantir a minha existência nesse plano

Por Kleber Bordinhão
Foto: Divulgação
Há algumas semanas, escrevi sobre as minhas memórias da München Fest e toda a esbórnia que dominava o Centro de Eventos durante aqueles dias. Pois bem, no último dia 14, estive novamente no palco da festa nacional do chope escuro, mas, dessa vez, para receber a primeira dose da vacina contra a COVID-19.

Tão ansioso quanto nas noites da festa do chope escuro, só que agora pelo motivo de garantir a minha existência nesse plano, dirigi até o Centro de Eventos em plena manhã de quarta-feira. À medida que fui me aproximando do local da vacinação, uma fila foi se formando. Já de cara, achei que as barracas da triagem eram as da vacinação e, atrapalhando o resumo de um reality show da noite anterior, fui entregando a minha carteira de vacinação e mostrando o braço para as enfermeiras. Provavelmente acostumadas com gente que, de tanta vontade de receber a sua dose, esquece de como se lê cartazes, a enfermeira fez pouco caso da minha gafe, conferiu alguma coisa no papel, perguntou outras, e pediu para que eu seguisse em frente.

Adiante, enfim, alcancei o Centro de Eventos e a fila parou. Então, comecei a perceber que as pessoas dentro dos carros, apesar de terem a minha idade, pareciam muito mais velhas que eu. Foi o momento em que tive uma revelação: a de que provavelmente eu sou o pior tipo de tiozão que existe, aquele que ainda não percebeu que é tiozão. 

Enquanto a realidade assentava-se aqui dentro, procurei não olhar para os carros à minha volta e peguei a carteira de vacinação. Estava sobre o banco do passageiro, junto a todos os documentos possíveis que provam que eu sou eu. Sempre tive azar em provar essas coisas. Em um vestibular, não acreditaram que o Kleber de 12 anos no RG era o mesmo vestibulando tardio que tentava entrar na UEPG. Desde então, não me arrisco.

Fiquei com tanta vergonha de sair mostrando o braço para quem não devia, que esqueci de conferir a carteirinha. Lá estava: 1ª dose Pfizer. Vacinadora? A Isabela. Fotografei o carimbo e enviei para os mais próximos.

Os carros andaram e entramos. Lá estava o lugar do qual eu, com as minhas parcas e distorcidas memórias, só tinha lembranças à noite. Confesso que o Centro de Eventos vazio, sob a luz da manhã, no dia que você vai se vacinar contra a pior pandemia em um século, é bem agradável. O sol forte terminava de dissipar a neblina da madrugada e alguns funcionários da Prefeitura realizavam a manutenção do espelho d’agua. Avistei a Praça dos Boy, que, sem os boy, é só uma praça, e vi a torre. Meio decadente, meio charmosa, como uma estrela do rock aposentada.

Avançando na fila, nervoso pela possível ineficácia da vacina, já que não seria fotografado recebendo-a, avistei algumas bandeirinhas no pavilhão externo e me flagrei sorrindo. Olhei para os lados procurando algum feliz cúmplice e só encontrei mais gente de 39 anos muito mais velha que eu.

Depois, pensei em todo mundo que não conseguiu chegar até ali e em quem não ia conseguir chegar. Naquela felicidade toda, uma ilha de raiva.

Chegando a minha vez, ouvi um som, que não consegui reconhecer, saindo de uma caixa ao lado dos pontos de vacinação. Mais perto, escancarei o braço e a menina Isa apontou a ampola da Pfizer, dizendo que eram 3 ml. Doeu. Não tanto quanto a música que os enfermeiros estavam curtindo. Conferi rápido no Shazam. Agradeci à Isabela e acelerei o carro, torcendo para que aquela exposição prolongada a Nickelback não me desse alguma reação.

KLEBER BORDINHÃO é escritor, autor de livros de poesia e crônica

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