“Olhar para o passado nos faz entender o nosso presente e ajuda a projetarmos nosso futuro. Esse é um dos principais objetivos do livro”, ressalta Antonelli.
Leia um trecho A CULTURA NOS NOVOS TEMPOS
A chegada dos imigrantes ucranianos pioneiros ao Brasil começou no final do século 19 e durou até o início do século seguinte. Após essa fase, o Brasil foi palco de outras duas ondas imigratórias de ucranianos que escolheram o país para reconstruir as suas vidas. Essas novas levas de imigrantes resultaram na chegada de milhares de pessoas que fugiram de sua terra natal devido às consequências provocadas pela Primeira e, posteriormente, pela Segunda Guerra Mundial. De modo geral, eles queriam escapar de um local que estava arrasado pelos conflitos bélicos, onde sofriam perseguições políticas e o setor econômico passava por grave crise.
A forma como esses novos imigrantes foram recepcionados no Brasil se assemelhou muito com o que enfrentaram os membros dos primeiros grupos imigratórios. Assim como os pioneiros, eles também tiveram que passar um período em quarentena na Ilha das Flores ou, em alguns casos, na hospedaria de imigrantes de Santos, tiveram aulas para entender características gerais do país que os recebia, se recuperavam de uma viagem desgastante ao alto mar e, logo no começo, já sofriam com as dificuldades de adaptação devido ao idioma e aos hábitos culturais totalmente novos.
Esses novos imigrantes passaram a ser incorporados em uma comunidade multiétnica, na qual diversas outras etnias já viviam e criavam raízes, como os italianos, alemães, poloneses, dentre outros. Os ucranianos que estavam aqui desde o final do século 19 já conviviam com essas outras etnias. Mesmo assim, esse fator não impediu que as suas tradições e hábitos trazidos do Velho Continente permanecessem vivas no cotidiano de cada um deles.
A situação não foi diferente com os novos imigrantes, que foram se estabelecendo ora nas comunidades ucranianas já existentes desde o final dos anos 1890 ora criando e procurando novos espaços e núcleos habitacionais para viverem. Mas o objetivo era um só: criar condições para se reinventarem em seus novos lares e conseguirem reconstruir suas vidas de maneira digna e honesta.
De um total de 20 mil imigrantes que chegaram entre 1908 e 1914, no movimento migratório decorrente da Primeira Guerra Mundial, 18,5 mil fixaram residência nos estados do Paraná e Santa Catarina. Os demais foram, em sua maioria, para o Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Essa escolha se justifica, sobretudo, pelas condições climáticas dos estados da Região Sul do Brasil, mais próximas ao que os imigrantes estavam acostumados no Leste Europeu.
Após a Segunda Guerra, mais de sete mil ucranianos desembarcaram no Brasil até 1951. Vale ressaltar que o governo de Getúlio Vargas restringiu a entrada de estrangeiros, fixando cotas para cada etnia. Mas só houve uma interrupção do movimento imigratório de 1942 a 1952, por causa da Segunda Guerra (1939-1945), quando o Brasil proibiu a entrada de cidadãos dos países do Eixo (Japão, Itália e Alemanha).
A riqueza e a vivência da cultura ucraniana em solo brasileiro resistiram às diversas dificuldades. Nem as perseguições do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas em 1937 (o tema foi detalhado anteriormente no capítulo 01), foram capazes de apagar, por completo, a chama das tradições dos imigrantes e descendentes ucranianos no país.
O então presidente Getúlio Vargas, visando implantar uma política nacionalista, proibiu todas as manifestações culturais de imigrantes e de seus descendentes no Brasil durante os anos 30 e parte da década de 40. Essa medida dificultava que as tradições fossem ensinadas para as gerações mais novas e impedia que os mais jovens vivenciassem, na prática, a cultura de seus antepassados.
O governo chegou a coibir a circulação de livros estrangeiros e obrigou os jornais e demais periódicos a publicarem conteúdo apenas em português. Passou, ainda, a ser proibido falar idiomas estrangeiros em público, inclusive durante as cerimônias religiosas.
Outra medida do Estado Novo afetou o currículo escolar: todas as aulas passaram a ser ministradas em português, sendo vetado o ensino de línguas estrangeiras para menores de 14 anos. Além disso, as disciplinas passaram a estimular o patriotismo e o uso de símbolos nacionais.
“Na época de Getúlio Vargas, existiu muita perseguição. Os hábitos culturais eram mantidos escondidos”, conta Mirna Voloschen, filha de pais ucranianos e moradora de Curitiba. A mãe da própria Mirna, Maria, em pleno ano de 1937, quando ocorreu a instituição do Estado Novo, não se intimidou com as eventuais ameaças do governo de Vargas e continuou a produzir as suas tradicionais pêssankas em Curitiba. “O meu pai, Serafim, enchia os bolsos do paletó e distribuía as pêssankas para amigos e conhecidos. Assim foi divulgando o trabalho da minha mãe e um pouco da cultura ucraniana”, narra.
Mesmo com todas essas dificuldades nesse período, a forte religiosidade, as celebrações tradicionais, bem como as festas, as danças, o idioma e a culinária dos imigrantes ucranianos conseguiram resistir década após década em solo brasileiro. Neste aspecto, as associações culturais e folclóricas e a Igreja foram, e ainda são, elementos fundamentais para que a raiz étnica-cultural da comunidade ucraniana seja repassada e ensinada para as mais diferentes gerações.
A cultura, todavia, não é um elemento estático; que fica paralisada no tempo. Os elementos culturais, ao contrário, são suscetíveis a receberem novos significados, com distintos graus de relevância e de interesse por parte da sociedade. Por isso mesmo, há tradições culturais que passaram, especialmente no final do século 20 e início do século 21, por mudanças, adaptações e ressignificações.
As causas para as releituras culturais ao longo dos anos são variadas. Os descendentes das gerações imigratórias das segunda e terceira onda conviveram e convivem com várias pessoas de diferentes etnias, por exemplo. “Cada geração muda a forma de viver a cultura. Casam-se, por exemplo, com pessoas de outras etnias e a cultura daquela família acaba ficando ‘misturada’. Esse é um processo natural da sociedade contemporânea”, relata Oles Ivan Sysak, que foi um dos responsáveis por montar as coreografias do Folclore Ucraniano Barvinok, de Curitiba.
Entre as décadas de 1940 e 1950, os imigrantes ucranianos, como conta o descendente Vitório Sorotiuk, que presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira, remigraram dentro do próprio território paranaense, indo para o Norte Pioneiro e para o Oeste do estado, por exemplo. Com isso, a tradição cultural também foi se dispersando. “Ao mesmo tempo os núcleos de imigrantes e descendentes nessas regiões não eram tão estabelecidos e eram comunidades menores”, aponta ele, que também é advogado. Isso contribuiu, segundo ele, para que parte dos elementos culturais não fosse seguida tão à risca.
A partir de 1970, alguns descendentes foram para outros estados brasileiros, como Mato Grosso e Rondônia. Esse processo de dispersão cultural se intensificou e contribuiu, também, para que a cultura ucraniana passasse a mesclar-se com outros hábitos e tradições já existentes nessas localidades. “Isso acontece com todas as etnias. A cultura como era antigamente se perde, mas ficam os elementos culturais que devem ser preservados. A miscigenação é natural em um país como o Brasil”, explica Vitório.