11/12/2021 às 12h10min - Atualizada em 11/12/2021 às 12h10min

Linhas órfãs: 33 frases de Miguel Sanches Neto sobre amor, tempo, experiência e mais

Reunidos no livro ‘Linhas Órfãs’, os aforismos do escritor e reitor da UEPG, Miguel Sanches Neto, trazem uma oportunidade de reflexão para esses tempos de muita pressa, muita distração e poucas ideias originais

Por Rafael Guedes
Foto: Divulgação
Admirador de Machado de Assis, Friedrich Nietzsche, Emil Cioran e outros mestres da frase “exata, inapelável e assassina”, como diria Nelson Rodrigues (outra usina de frases memoráveis), o escritor e reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Miguel Sanches Neto, é um dos mais destacados praticantes do aforismo na literatura brasileira atual. Seus romances, contos, crônicas, poemas e até conversas trazem, nos momentos mais cruciais, desconcertantes frases que atingem o leitor (ou o interlocutor) de forma incisiva, ágil e marcante, projetando nova luz sobre os mais variados assuntos – amor, tempo, amizade, literatura, política etc. Embora muitas de suas sentenças estejam espalhadas pelas obras de ficção, é no livro Linhas Órfãs (Inventa, 2014) que o autor reuniu a sua produção aforística. Nesta obra, janela privilegiada para a visão de mundo de Sanches Neto, o autor distribui as suas boutades dentro dos mais diversos subgêneros do aforismo: o moralístico (no sentido de La Rochefoucauld, Chamfort, Vauvenargues etc); o filosófico (com ecos do pensamento budista, talvez fruto de sua devoção a Matsuo Bashô); o trocadilhesco (com sutis toques de humor e ironia); o poético; e, é claro, o literário (espécies de nanocontos em uma linha). Na seleção a seguir, é possível ter uma pequena noção da profundidade e da variedade dos aforismos produzidos pelo autor nascido em Bela Vista do Paraíso e radicado em Ponta Grossa. Mais importante do que isso, traz uma necessária oportunidade de reflexão para esses tempos de muita pressa, muita distração e poucas ideias originais.


AMOR


Amor conjugal: quando conjugamos numa única pessoa o desejo colhido em muitas outras.


*


Ele a observou tirando a roupa, não com estes olhos de agora, mas com aqueles de quando eram jovens.





O corpo que amamos é impróprio para leitura dinâmica.


*


Não se pede para ser amado. Todo amor é uma forma de assalto.



DESCOBERTA


Para quem mantém a mente desperta, não há rotina – tudo é descoberta.


*


O artista tem um interesse infantil pela realidade. Onde todos veem o óbvio, ele encontra o novo. 


*


Quando pensamos muito em nós mesmos, tornamo-nos repetitivos. A novidade mora no outro, mas não o reconhecemos. 


*


Os criativos nunca serão cativos.



(IN)EXPERIÊNCIA


Avançou mais do que a maioria porque não tinha para onde ir.


*


Tudo que aprendi foi por inexperiência própria.



TEMPO


Um dia saí de mim e, quando voltei, havia um velho no que eu era.


*


O passado é sempre uma ficção e o futuro, uma utopia. O presente é um intervalo entre duas mentiras.


*


O louco carrega o vazio em suas mãos em concha: 
— Trago comigo o ontem.


*


O passado só pode ser amado a distância.



PENSAMENTO


Muitos desejam trocar de sexo, mas todos estão satisfeitos com o próprio cérebro. 


*


Para se dizer o que pensa, é preciso, primeiramente, ser capaz de pensar.


*


Basta a pessoa querer ganhar algum prêmio que ela já para de dizer o que pensa.


*


O dono da menor verdade se sente um grande latifundiário.


*


A rebeldia como profissão quer ganhar prêmios por mau comportamento.



AGRUPAMENTOS 


Todo grupo se acha melhor do que os outros. Só o solitário se reconhece defeituoso.


*


Onde houver pessoas, haverá peçonha.


*


Os íntegros nunca serão integrados.


*


O polêmico poliniza mais do que o político. 



*


Ficar quieto em casa já é fazer muito pela humanidade.



LEITURA E LITERATURA 


Escrever é uma forma de nos informarmos sobre nós mesmos. 


*


Quanto mais leio, mais sou uma enciclopédia de incertezas. 

*


Lia para recolher pedaços de si mesmo nos livros ditos alheios.


*


Todo enriquecimento intelectual é ilícito.


*


Ter direito à literatura não significa ter direito apenas à literatura direita.




MORTE 


Não há morte súbita. Morre-se sempre aos poucos, mesmo depois de morto.


*


Não me pertence este corpo e sim a um futuro defunto. 


*


Na arte de viver somos sempre autodidatas. 


*


Manter-se vivo é a verdadeira ficção.



Os aforismos acima foram retirados de Linhas Órfãs (Inventa, 2014). Compre aqui

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